segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Livro, um santo remédio para a cabeça

Conheça a biblioterapia, estratégia que ganha cada vez mais espaço no tratamento de problemas psicológicos

Era uma vez, no já não tão distante reino da Inglaterra, um grupo de amigos da Reading Agency (Agência de Leitura, em inglês) que acreditava no poder terapêutico das palavras. Um dia, eles juntaram forças e começaram a usar livros para combater os mais diversos vilões que se apoderam da mente humana – da ansiedade a depressão. A arma funcionou tão bem que os governantes da região alçaram a chamada biblioterapia ao status de política pública de saúde, beneficiando milhares de britânicos que lutam contra esses distúrbios todos os dias.
Por mais fantástica que possa parecer, saiba que essa história não faz parte de nenhum conto da carochinha. A biblioterapia foi implementada pelo governo britânico em 2013. Por meio dela, o psiquiatra identifica qual doença está afligindo seu paciente e, aí, prescreve um livro específico como parte integrante do tratamento. Com a receita em mãos, o indivíduo vai até uma biblioteca de sua cidade e pega emprestada a obra sugerida. “Nesses primeiros meses de funcionamento, o retorno do público vem sendo bem positivo”, destaca Debbie Hicks, fundadora e diretora de pesquisa da Reading Agency, organização que capitaneia a terapia literária na Inglaterra. Atualmente 17 transtornos, como fobias e a bulimia nervosa, já têm indicações de leitura. “Os títulos são selecionados conforme evidências encontradas em artigos científicos e recebem o aval de especialistas”, completa Debbie.
Muitos dos livros recomendados são técnicos e explicam ao leitor detalhes do seu distúrbio. “Quando o paciente está munido de informações corretas sobre o problema, torna-se mais capaz de superá-lo”, argumenta o psiquiatra Paulo Gaudencio, de São Paulo. Ao mesmo tempo, a agência organiza outra lista – essa a partir do voto do público -, de romances, poesias e crônicas que incrementam o estado de ânimo.
Estudos vêm avaliando a eficácia da biblioterapia contra variados males mentais. Um trabalho na universidade de Sussex, na Inglaterra, descobriu que folhear as páginas de um livro é uma das maneiras mais eficazes de relaxar. Na experiência, dedicar seis minutos a essa atividade reduziu os níveis de estresse de voluntários em 68% e superou, de longe, hábitos como ouvir música, tomar chá, caminhar e jogar videogame. “A leitura ajuda a pessoa a identificar pensamentos prejudiciais e o melhor jeito de controlá-los”, avalia o psiquiatra Christopher Williams, da Universidade de Glasgow, na Escócia. Segundo o cientista, a interpretação dos textos ainda incentiva a reflexão sobre a vida e a mudança de determinadas atitudes que podem estar por trás da bagunça emocional.
No Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a biblioterapia está presente na ala pediátrica há mais de 15 anos. “Só incluímos em nossas estantes volumes com histórias felizes”, diz o escritor Celso Sisto, professor de literatura da universidade e responsável pelo acervo da biblioteca infantil. Além de ler os textos, é preciso interpretar e discutir o enredo com os pequenos, a fim de garantir melhores resultados. “Acredito que essa iniciativa chega a encurtar o tempo de internação”, aposta o pediatra João Carlos Batista Santana, do centro médico gaúcho. “Para as crianças, tudo é imaginação. Até os profissionais de jaleco branco entram nas histórias de fadas e bruxas”, completa. Por meio da fantasia, o trauma da internação fica em segundo plano. Aliás, o projeto deu tão certo que em 2013 será inaugurada uma área com livros para adultos, que também vão ter a terapia das letras à disposição para lidar com as emoções durante a estada no hospital.
Até em idosos com lapsos de memória os efeitos da biblioterapia são animadores. A neuropsicóloga Martha de Sant'Anna, por exemplo, trabalha com a leitura de contos de fada para velhinhos portadores de demência na Inglaterra e na França. “Essas narrativas sempre tem um final alegre, trazendo paz e tranquilidade”, relata a autora do recém-lançado Fortalecimento da Memória pelos Contos de Fada (Editora Vozes). “Elas permitem uma volta a infância, longe de problemas e inquietudes”, conclui. E isso patrocina melhoras na capacidade de recordar.
A escolha do título, no caso de perrengues psiquiátricos, é especialmente criteriosa. “Textos pessimistas ou trágicos devem ser evitados. Isso porque os depressivos, por exemplo, estão vulneráveis e necessitam de carinho e amor”, esclarece a biblioteconomista Clarice Fortkamp Caldin, da Universidade Federal de Santa Catarina. E é assim que chegamos à moral da história: com bons livros em mãos, fica mais fácil viver feliz para sempre.

Por André Biernath

Fonte: Revista Saúde Setembro 2013 pags. 68 a 70



Reading Agency: http://readingagency.org.uk/