Livro, um santo remédio
para a cabeça
Conheça a biblioterapia,
estratégia que ganha cada vez mais espaço no tratamento de
problemas psicológicos
Era uma vez, no já não
tão distante reino da Inglaterra, um grupo de amigos da Reading
Agency (Agência de Leitura, em inglês) que acreditava no poder
terapêutico das palavras. Um dia, eles juntaram forças e começaram
a usar livros para combater os mais diversos vilões que se apoderam
da mente humana – da ansiedade a depressão. A arma funcionou tão
bem que os governantes da região alçaram a chamada biblioterapia ao
status de política pública de saúde, beneficiando milhares de
britânicos que lutam contra esses distúrbios todos os dias.
Por mais fantástica que
possa parecer, saiba que essa história não faz parte de nenhum
conto da carochinha. A biblioterapia foi implementada pelo governo
britânico em 2013. Por meio dela, o psiquiatra identifica qual
doença está afligindo seu paciente e, aí, prescreve um livro
específico como parte integrante do tratamento. Com a receita em
mãos, o indivíduo vai até uma biblioteca de sua cidade e pega
emprestada a obra sugerida. “Nesses primeiros meses de
funcionamento, o retorno do público vem sendo bem positivo”,
destaca Debbie Hicks, fundadora e diretora de pesquisa da Reading
Agency, organização que capitaneia a terapia literária na
Inglaterra. Atualmente 17 transtornos, como fobias e a bulimia
nervosa, já têm indicações de leitura. “Os títulos são
selecionados conforme evidências encontradas em artigos científicos
e recebem o aval de especialistas”, completa Debbie.
Muitos dos livros
recomendados são técnicos e explicam ao leitor detalhes do seu
distúrbio. “Quando o paciente está munido de informações
corretas sobre o problema, torna-se mais capaz de superá-lo”,
argumenta o psiquiatra Paulo Gaudencio, de São Paulo. Ao mesmo
tempo, a agência organiza outra lista – essa a partir do voto do
público -, de romances, poesias e crônicas que incrementam o estado
de ânimo.
Estudos vêm avaliando a
eficácia da biblioterapia contra variados males mentais. Um trabalho
na universidade de Sussex, na Inglaterra, descobriu que folhear as
páginas de um livro é uma das maneiras mais eficazes de relaxar. Na
experiência, dedicar seis minutos a essa atividade reduziu os níveis
de estresse de voluntários em 68% e superou, de longe, hábitos como
ouvir música, tomar chá, caminhar e jogar videogame. “A leitura
ajuda a pessoa a identificar pensamentos prejudiciais e o melhor
jeito de controlá-los”, avalia o psiquiatra Christopher Williams,
da Universidade de Glasgow, na Escócia. Segundo o cientista, a
interpretação dos textos ainda incentiva a reflexão sobre a vida e
a mudança de determinadas atitudes que podem estar por trás da
bagunça emocional.
No Hospital São Lucas,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, a
biblioterapia está presente na ala pediátrica há mais de 15 anos.
“Só incluímos em nossas estantes volumes com histórias felizes”,
diz o escritor Celso Sisto, professor de literatura da universidade e
responsável pelo acervo da biblioteca infantil. Além de ler os
textos, é preciso interpretar e discutir o enredo com os pequenos, a
fim de garantir melhores resultados. “Acredito que essa iniciativa
chega a encurtar o tempo de internação”, aposta o pediatra João
Carlos Batista Santana, do centro médico gaúcho. “Para as
crianças, tudo é imaginação. Até os profissionais de jaleco
branco entram nas histórias de fadas e bruxas”, completa. Por meio
da fantasia, o trauma da internação fica em segundo plano. Aliás,
o projeto deu tão certo que em 2013 será inaugurada uma área com
livros para adultos, que também vão ter a terapia das letras à
disposição para lidar com as emoções durante a estada no
hospital.
Até em idosos com
lapsos de memória os efeitos da biblioterapia são animadores. A
neuropsicóloga Martha de Sant'Anna, por exemplo, trabalha com a
leitura de contos de fada para velhinhos portadores de demência na
Inglaterra e na França. “Essas narrativas sempre tem um final
alegre, trazendo paz e tranquilidade”, relata a autora do
recém-lançado Fortalecimento da Memória pelos Contos de Fada
(Editora Vozes). “Elas permitem uma volta a infância, longe de
problemas e inquietudes”, conclui. E isso patrocina melhoras na
capacidade de recordar.
A escolha do título, no
caso de perrengues psiquiátricos, é especialmente criteriosa.
“Textos pessimistas ou trágicos devem ser evitados. Isso porque os
depressivos, por exemplo, estão vulneráveis e necessitam de carinho
e amor”, esclarece a biblioteconomista Clarice Fortkamp Caldin, da
Universidade Federal de Santa Catarina. E é assim que chegamos à
moral da história: com bons livros em mãos, fica mais fácil viver
feliz para sempre.
Por André Biernath
Fonte: Revista Saúde Setembro 2013
pags. 68 a 70
Reading Agency: http://readingagency.org.uk/